Os Núcleos Aplicados de Proteção de Minorias e Ações Coletivas – NUAMAC’s, órgãos da Defensoria Pública do Estado do Tocantins, em análise ao teor da decisão proferida por juiz singular da Justiça Federal nos autos da Ação Popular n. 101189-79.2017.4.01.3400, que determinou, em sede de tutela provisória, que a Resolução n. 001/99, do Conselho Federal de Psicologia, deve ser interpretada de modo “a permitir que os profissionais da psicologia realizem tratamentos e pesquisas voltados à reorientação sexual”, expressam sua contrariedade à referida decisão, nos seguintes termos:
Em primeiro lugar, calha observar que os Conselhos Profissionais têm natureza jurídica de Autarquia, tendo como principal finalidade o exercício de atividade de polícia sobre as profissões regulamentadas, tendo, portanto, faculdade de restringir direitos individuais, sempre em benefício da coletividade.
Isto dito, não obstante a Constituição Federal estabelecer o livre exercício profissional, esta liberdade pode ser restringida pelos conselhos caso o interesse coletivo assim o exigir.
Em tal mister, o Conselho Federal de Psicologia editou a Resolução n. 001/99, que prevê que os psicólogos “não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados”.
Tal posicionamento se ancora na despatologização da homossexualidade, extirpada do Catálogo Internacional de Doenças ainda em 1990 pela Organização Mundial de Saúde, considerando que os comportamentos sexuais não-heterossexuais dizem respeito à liberdade individual, não sendo, portanto, considerados doenças.
Segundo pesquisa realizada pela Associação Americana de Psicologia, em relatório oficial, a prática denominada “cura gay”, na ausência de elementos científicos que corroborem a eficácia de terapias, é causa eficiente de sintomas como depressão, confusão mental, ansiedade, pensamentos suicidas e impotência sexual.
Mas o mal proporcionado pelo enfoque retrógrado ultrapassa a esfera individual da pessoa submetida ao “tratamento”.
A homossexualidade não pode sob nenhum prisma ser tratada como enfermidade, pois o retorno ao discurso patologizante fortalece o estigma sobre a população LGBTQIA. Todos para além dos resumidamente heterossexuais são afetados, na medida em que são legitimadas práticas clínicas não comprovadas cientificamente e que configuram grave afronta aos direitos individuais, bem como colocam em risco a saúde mental dos estigmatizados.
Lembremos que o Brasil, vergonhosamente, é campeão mundial em crimes ligados à homofobia. E decisões judiciais ou políticas públicas que de alguma forma mitiguem a liberdade e autonomia dos homossexuais contribuem para o aumento da violência e ampliam a exclusão de toda uma comunidade que há séculos padece de praticas cotidianas de violação sistemática de Direitos.
O reconhecimento dos direitos à população LGBTQUIA avança lentamente rumo a tolerância e aceitação, de modo que grande parcela da sociedade não mais se identifica com medidas de cunho homofóbico.
Decisões como a proferida implicam retrocesso nessa tolerância e pacificação social construída pela incansável luta dos movimentos de diversidade sexual.
Doutro lado, interpretar a resolução para retirar o caráter proibitivo quanto às supostas terapias de reorientação, enfraquecem a norma e aniquila o seu próprio conteúdo, na medida em que permitirá aos preconceituosos taxarem todas as pessoas não heterossexuais de passíveis de “tratamento”.
A grande verdade é que a decisão repudiada se insere num movimento retrógrado que constantemente tenta retirar os espaços conquistados pelos movimentos sociais.
As minorias, vítimas ordinárias de ódio e intolerância, lutam incansavelmente pelo reconhecimento de sua liberdade de expressão e preservação de sua individualidade e privacidade.
Foram séculos para que a ciência reconhecesse o óbvio: amar outra pessoa não é doença. E o efeito prático da decisão é concluir exatamente o inverso, é incitar o preconceito. Longe de se preocupar com avanços científicos – a esdrúxula ação judicial – pano de fundo da decisão – constitui verdadeiro retrocesso, com objetivo nítido de ressoar máximas homofóbicas.
Em razão do periclitante precedente, os NUAMAC’s da Defensoria Pública do Estado do Tocantins, compromissados com a proteção dos direitos fundamentais da comunidade LGBTQIA, repudiam qualquer ato judicial ou político que venha a fomentar a intolerância e marginalização destes indivíduos e enfraquecer os direitos individuais e coletivos conquistados por quaisquer grupos vulneráveis. Em respeito a necessidade de proteção que merecem e esperam proteção confiam na sensibilidade constitucional das instâncias revisionais do Poder Judiciário, visando a garantia de direitos de um sem número de seres humanos não- heterossexuais diuturnamente vítimas de toda sorte de arbitrariedades e abusos.