A Casa do estudante Indígena ou “Chácara da Funai”, como é conhecida pelos próprios indígenas em Araguaína, é destinada a indígenas que ingressam no ensino superior e precisam permanecer na cidade durante o período da graduação. Em função disso, é comum que junto com os estudantes, venham também alguns membros da família, de acordo com a organização sócio-cultural de cada povo.
De acordo com informações disponibilizadas em matéria no portal G1 em dezembro de 2019, a Casa Indígena de Araguaína foi construída há 20 anos para abrigar estudantes da região norte do Tocantins e, naquele contexto, acolhia cerca de 12 famílias de 4 povos indígenas diferentes, a saber: Karajá, Krahô, Xerente e Guarani. De acordo com a reportagem, havia mais de 60 pessoas residindo na casa, com diversas faixas-etárias, de crianças a adultos.
A mesma matéria notifica que em dezembro de 2019 a Justiça Federal havia determinado o prazo de 30 dias para que a Fundação Nacional do Índio- FUNAI pudesse transferir os moradores desta residência e realizar a reforma do imóvel. No entanto, isto ainda não aconteceu, de forma que estas pessoas permanecem neste endereço em condições cada vez mais desumanas e degradantes.
Em nota de denúncia no dia 19 de abril deste ano, o Movimento Nacional de Luta Por Moradia/MNLM do Tocantins mostrou fotos do atual estado das casas da Chácara, apontando problemas como: caixa d’água tombada e esvaziada, muros, vidros, móveis e utensílios depredados, portas asseguradas por tijolos e tábuas, banheiros e forro quebrados. A situação foi também denunciada pelo Gazeta do Cerrado em 20 de abril de 2020 e indicava a judicialização da situação. O que não fica explicado nestas notícias é a quem se deve a responsabilidade da manutenção desta casa.
Fato é que desde 2019 o local tem apresentado problemas sérios de infra-estrutura, cada vez mais agravantes, e condições extremamente precárias, inviabilizando qualquer estadia com dignidade, segurança e salubridade. Com o distanciamento físico de prevenção ao novo coronavírus, os estudantes retornaram às aldeias, e com a falta de segurança nas últimas semanas isso tem facilitado furtos quase contínuos.
Vale lembrar que o portal G1 também publicou em 20 de junho de 2019, a notícia de que dois estudantes moradores da casa foram ameaçados de morte de maneira anônima, e todo esse cenário também representa cada vez mais riscos às suas vidas.
Em contexto da pandemia, é importante refletir que são lacunas nas políticas públicas como essas que corroboram à transmissão de doenças como a COVID-19, e que a manutenção dessa calamidade se evidencia na pactuação do Estado brasileiro e propriamente da FUNAI- com a conivência das universidades e instituições de ensino a que os estudantes estão vinculados -que refletem ações etnocidas, genocidas e ecocidas contra os povos indígenas, que ao longo da história de invasão aos territórios, já bem conhecem as guerras biológicas e também psicológicas que atentam ao seu bem viver.
O dia 19 de abril marca o calendário nacional com o “Dia do Índio”, data extremamente controversa, que por vezes mascara e invisibiliza a realidade dos povos indígenas e, principalmente, o descaso e a política de morte que tem sido perpetrada contra suas vidas, seu bem viver e territórios. Sabendo disso e, ainda, considerando a condição de permanência dos indígenas estudantes em Araguaína como um atentado à dignidade humana e uma grave violação de direitos dos povos indígenas, a Comissão Psicologia e Povos do Cerrado do Conselho Regional de Psicologia do Tocantins, formada por psicólogas e membras/os de comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais, vem à público se manifestar em apoio a esses estudantes e suas comunidades.
Acreditamos que a permanência estudantil diferenciada e digna dos indígenas estudantes e suas famílias são fundamentais para a garantia de seu direito de acesso ao ensino superior, pauta histórica do movimento indígena associada à autonomia dos povos, e para o bem viver dos povos indígenas reconhecendo a universidade como extensão do seu território. Nesse sentido, tomamos o mês de Abril como um mês de lutas vitais, e não de comemorações, e vimos por meio desta apoiar os indígenas estudantes em Araguaína e suas comunidades, a “Nota do Movimento Nacional de Luta pela Moradia- MNLM do Tocantins sobre às condições desumanas de moradia a que estão submetidos os/as estudantes em Araguaína”, e cobrar celeridade da Justiça Federal em ações que possam garantir a dignidade, respeito e segurança aos povos indígenas, de acordo com o que está pactuado nacional e internacionalmente no campo dos direitos humanos e dos direitos dos povos indígenas.
A Comissão Psicologia e Povos do Cerrado do CRP-23 continuará acompanhando a situação e se coloca à disposição para contribuir no que for possível, manifestando e firmando o compromisso social da psicologia com os povos indígenas no Tocantins.
Junto ao Conselho Regional de Psicologia do Tocantins também assinam esta nota as seguintes entidades:
Comissão Pastoral da Terra de Araguaína – (CPT)
Conselho Indigenista Missionário de Palmas – (CIMI)
CEDECA Glória de Ivone – Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Palmas