Nos dias 24 e 25 de outubro, a líder quilombola e pedagoga, Maria de Fátima Barros, membra do ‘GT Psicologia e Povos do Cerrado’ instituído pelo CRP-23, esteve em Maputo, capital do Moçambique, onde participou da III Conferência Triangular dos Povos. Durante o evento, organizado pela Campanha ‘Não ao PróSavana’, representantes de Moçambique, Brasil e China refletiram sobre o modelo de desenvolvimento que ameaça o meio ambiente e as populações do campo a partir das investidas do agronegócio nas terras moçambicanas.
Representantes de movimentos sociais, ativistas, pesquisadores e camponeses dos três países reunidos na Conferência debateram as condições de precarização da natureza e como todo esse processo está desencadeando na expulsão do homem do campo, situação já muito presente no Brasil e em processo em Moçambique.
Para Fátima Barros, a relação dos povos tradicionais com os territórios possui um vínculo inerente ao bem viver dessas comunidades. “O agronegócio é um modelo de negócio, e nós comunidades tradicionais assumimos a terra com o nosso espaço de bem viver, como o nosso espaço de vida, e isso é o que difere a visão do agronegócio para a visão das comunidades tradicionais em relação aos seus territórios. É bem triste ver esses processos se desenrolando, a forma como o agronegócio vem violentando as nossas famílias.”.
Ao final, os povos de Moçambique, Brasil e Japão presentes na Conferência publicaram uma declaração contendo a avaliação, os posicionamentos e os encaminhamentos gerados a partir dos espaços de debate. Confira:
Nós, povos articulados na campanha Não ao ProSavana e demais participantes, analisamos e discutimos a conjuntura nacional e constatamos o seguinte:
- A priorização e insistência em políticas e programas não inclusivos que não respondem as necessidades, desafios e vontade da classe camponesa;
- Entrada massiva de investimentos privados para as áreas de agronegócio, com ênfase para o ProSavana, PEDEC, a Nova Aliança para a Segurança Alimentar e Nutricional, Programa de desenvolvimento do corredor logístico de Nacala e o programa Sustenta. Estes têm como foco principal a produção em grande escala de monocultivos, maioritariamente comodities para fornecer ao mercado externo;
- Os programas em curso e propostos têm promovido o uso de sementes melhoradas em detrimento das sementes nativas e do modo de vida camponesa;
- A maior parte dos projetos são implementados nos territórios dos camponeses justificados e validados por consultas públicas deficientes e contestadas. Outrossim, desvalorizam e desrespeitam os valores e patrimónios culturais (cemitérios e lugares sagrados, lugares de sepulcros) dos povos;
- Existência de inúmeros casos de conflitos e usurpação de terra nos territórios dos camponeses por parte de grandes investimentos de agronegócio incluindo o ProSavana. Estas práticas têm suscitado a deslocação involuntária de camponeses e comunidades rurais;
- Ocorrência de ameaças por autoridades locais, captação e marginalização de camponeses e líderes dos movimentos sociais que se opõem ou que apresentam opinião contrária sobre o ProSavana.
Face às constatações acima referidas, nós, os povos de Moçambique, Brasil e Japão presentes nesta Conferência demandamos e denunciamos:
- Rejeitamos o modelo de desenvolvimento excludente e discriminatório baseado no agronegócio que nos é imposto, por entender que este modelo tem como base a expansão e acumulação de capital por parte dos grandes investidores e assenta-se na produção de lucro e não no bem-estar dos povos;
- Exigimos o respeito pela cultura e saberes da classe camponesa;
- Exigimos um processo de discussão e criação de um plano de agricultura camponesa, da base para o topo, onde terão de ser discutidos os desafios, necessidades e expectativas dos camponeses e camponesas e assim formulado o Plano;
- Exigimos que o governo de Moçambique e os seus parceiros respeitem a Constituição da República e demais leis vigentes no país;
- Reiteramos a nossa posição Não ao Programa ProSavana e programas similares, em curso nos seis principais corredores de desenvolvimento, pelo modelo que representam e pelo modo em que foram concebidos e impostos ao povo moçambicano;
- Camponeses, camponesas e demais participantes recusam uma vez mais a implementação do programa Prosavana;
- Encorajamos o governo de Moçambique a apostar na agricultura camponesa que é o garante da soberania alimentar proporcionando entre outros, incentivos para os camponeses aumentarem a sua área de produção, a sua produção e produtividade com intervenções específicas como serviços de extensão agrária, acesso ao mercado e acesso a infraestruturas produtivas;
- Reafirmamos a nossa determinação em fortalecer a luta pela defesa dos nossos patrimónios, tornando-os a única via para garantir a soberania alimentar;
- Exigimos ao governo de Moçambique para que aprove políticas e estratégias que encorajem e apoiem os camponeses a usar as suas sementes nativas e a manter os seus sistemas locais de produção;
- Repudiamos a intenção do governo de Moçambique e de parceiros de cooperação (USAID, Melinda & Bill Gate Foundation, RockFellers Foundation entre outros) de introduzir o uso de sementes geneticamente modificadas em Moçambique;
- Encorajamos o governo a observar escrupulosamente a Lei de Terra e o Artigo 109, alínea 3 da Constituição da República e garantir a sua implementação. Adicionalmente, repudiamos a recente aprovação do decreto que prevê a revisão da Lei de Terra para acomodar interesses capitalistas;
- Enquanto povos continuaremos a lutar em defesa dos bens comuns, a estabelecer alianças de solidariedade com povos de outras nações, e a debater coletivamente as alternativas ao modelo de desenvolvimento imposto.
Finalmente, estendemos o nosso convite e apelo a todos os movimentos sociais, organizações da sociedade civil, comunidades rurais e todos os cidadãos em geral para uma ampla mobilização, engajamento e organização de uma frente comum de resistência a este modelo de desenvolvimento em que se assenta o agronegócio e a construir o modelo alternativo assente no bem-estar das pessoas.
Enquanto povos unidos continuaremos engajados na luta contra as desigualdades, contra todas as formas de injustiça e de descriminação bem como na defesa dos nossos direitos e interesses relativos ao acesso e controlo de terra, sementes nativas, água, florestas, ar, bens e património culturais e históricos comuns.
Não ao ProSavana!