Por determinação da 1ª Vara da Justiça Federal do Ceará, o Conselho Federal de Psicologia revogou no dia 13 de abril do corrente ano a Resolução CFP nº 10/2010, que instituía a regulamentação da Escuta Psicológica de Crianças e Adolescentes envolvidos em situação de violência, na Rede de Proteção.
A referida Resolução já estava suspensa desde 2013 por força de decisão da mesma vara de justiça, sendo mantida agora definitivamente a suspensão ao final do processo judicial. Diante da revogação, o CFP informou que todos os processos éticos-disciplinares que tenham por objeto a referida resolução devem ser arquivados.
Entenda
A decisão judicial que culminou na revogação da Resolução CFP nº 10/2010 se deu através de uma ação cível promovida pelo Ministério Público Federal contra o Conselho Regional de Psicologia do Ceará (CRP-11), Conselho Federal de Psicologia (CFP), Conselho Regional de Serviço Social do Ceará e Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), com a acusação de que os atos normativos editados pelo CFP e CFESS estariam inviabilizando a implantação do projeto “Depoimento Especial”.
O texto da sentença menciona a resolução CFP nº 10/2010 como uma afronta ao livre exercício dos psicólogos e ao dever desses profissionais de contribuírem para a prestação jurisdicional, concernente às crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, porque os proíbe de atuarem na sala de depoimento especial sob pena de sanção disciplinar.
Em contestação à ação, o CFP e o CRP-11 questionaram se exigir da criança a responsabilidade pela prova de violência sexual, através do depoimento judicial, não seria uma nova violência contra a criança, concluindo que a Resolução CFP nº 10/2010 não comprometia a atuação da equipe multiprofissional e não impedia a assessoria do psicólogo ao magistrado, apenas impedia de inquirir a criança.
Escuta Especial/ Escuta Sem Dano
A Escuta Especial, conhecida antes como Escuta Sem Dano (ESD), é um sistema originalmente implantado no estado do Rio Grande do Sul, em 2003, em que o depoimento das crianças e adolescentes em situação de violência na rede de proteção é acompanhado por vídeo, na sala de audiência, pelo juiz, pelo promotor de justiça e pelo acusado e seu defensor, que dirigem perguntas por meio de uma escuta a um psicólogo que está conversando com a vítima em uma sala separada e que faz o questionamento à vítima. Tal depoimento é gravado e o DVD anexado aos autos do processo.
Parecer do CFP
No decorrer do processo judicial o Conselho Federal de Psicologia emitiu um parecer sobre escuta especial de crianças e adolescentes (“Conselho Federal de Psicologia e a prática da Escuta Especial de Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência, Abuso ou Exploração Sexual), no qual se manifesta contrário à metodologia da Escuta Especial, ou qualquer procedimento que lhe seja assemelhado, configurando o interesse de todos os psicólogos do Brasil, e considerando a sua atribuição de órgão normativo e de grau superior de toda a categoria profissional.
O CFP aduz que “O direito de se expressar, previsto no Art. 12 da convenção dos direitos da Criança é um direito e não uma obrigação. Obrigar a se manifestar, ou mesmo convencê-la a falar, utilizando para isso estratégias de “sedução” para a “extração da verdade” é violar direitos e não garanti-los.”.
Segundo o parecer do CFP, para a psicologia, a escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência deve ser, em qualquer contexto, pautada pela doutrina da proteção Integral, pela legislação específica da profissão e em marcos teóricos, técnicos e metodológicos da psicologia como ciência e profissão.
CRP-23 promove articulações para conduzir orientações à categoria
A escuta de crianças e adolescentes em situação de violência na rede de proteção não é uma discussão recente no Sistema Conselhos de Psicologia. Iniciada em 2005, após notícias da participação de psicólogos no chamado Depoimento Sem Dano, realizado em Porto Alegre, a discussão vem se dando em diferentes níveis e de forma democrática, sempre próxima dos psicólogos, participantes ativos na construção de posicionamentos e diretrizes diante da temática.
Diante da revogação da Resolução CFP nº 10/2010 e das questões relacionadas à escuta especial que foram demandadas tanto no COREP quanto no planejamento estratégico, o Conselho Regional de Psicologia do Tocantins (CRP-23) decide articular a comunicação com outras categorias, bem como com a rede de proteção da criança e do adolescente, para chegar na melhor estratégia de orientação à categoria sobre a atividade em proteção às crianças.