Dia Mundial de Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa – CRP23 entrevista Wadson Arantes Gama

15DEJUNHOENTREVISTA.jpegBO Dia Mundial de Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa foi reconhecido pela Assembleia das Nações Unidas em 2011, com a finalidade de dar visibilidade e combater as violações sofridas por este grupo. De acordo com o secretário geral das Nações Unidas, a pandemia da COVID-19 evidencia as vulnerabilidades às quais as pessoas idosas estão submetidas devido ao medo da doença, isolamento, discriminação e o risco da pobreza.

O aumento da violência contra pessoas dessa faixa etária também tem sido um fator preocupante no atual cenário de crise sanitária. Dados do ‘Disque 100’ revelaram que, só no primeiro semestre deste ano, mais de 33,6 mil casos de violações de direitos humanos foram registrados contra o idoso no Brasil, sendo o Tocantins o estado que apresentou maior crescimento no número de denúncias entre 2019 e 2020.

Para visibilizar esta importante data, com o objetivo de estimular a conscientização da categoria no combate à violência cometida contra as pessoas idosas e refletir acerca dessas questões sob o viés da Psicologia, o CRP-23 entrevistou o Psi. Me. Wadson Arantes Gama (CRP 09/-1523). Wadson é psicoterapeuta, mestre em Psicologia, especialista em Psicologia Social e de Ensino a Distância, professor universitário e de pós-graduação, coordenador da Cia. de Teatro ‘Senhoras do Cerrado’ e atual conselheiro presidente do Conselho Regional de Psicologia do Goiás. Confira:

CRP23Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o número de pessoas com mais de 60 anos no país já é superior ao de crianças com até 9 anos de idade. Na sua opinião, a qualidade de vida das pessoas idosas tem acompanhado esse crescente aumento da idade média populacional? Por quê?

WADSONInfelizmente isso ainda não acontece. A pirâmide está realmente se invertendo. Nesse caso, nós vivemos numa sociedade onde o ‘idadismo’, que é o preconceito contra a pessoa idosa, ainda é muito grande. A sociedade acaba julgando essas pessoas como sem valor ao “saírem” do mercado de trabalho. Mas sabemos que existem muitas pessoas com 60+ que estão em trabalhos informais. Outra questão sobre a qual precisamos refletir neste momento atual, relacionado a pandemia, é que essa faixa etária teve que ficar em isolamento físico, não só em isolamento social, por causa da vulnerabilidade relacionada ao enfrentamento da COVID-19. Precisamos considerar que no final da década de 90, início do ano 2000, as pessoas idosas tiveram que ressignificar a sua história porque estavam vivendo o chamado ‘ninho vazio’, mas com as questões financeiras, agora também relacionadas ao cenário de pandemia da COVID-19, muitas famílias tiveram que viver com o provento dessa pessoa idosa. Então isso que está acontecendo é muito sério, o ninho que estava vazio se tonou ninho cheio. Esse movimento já estava acontecendo com a virada de 2010/2011, com os filhos preferindo ficar em casa, demorando mais para casar ou voltando de casamentos desfeitos. Tudo isso com uma incidência muito grande de violência relacionada a questão econômica, onde esses pais/avós fazem empréstimos consignados para poder resolver não as suas demandas pessoais, mas as questões financeiras familiares. Então infelizmente o aumento da longevidade, nessa questão da mudança da pirâmide etária, não tem atribuído à pessoa idosa uma melhor qualidade de vida.

CRP23No cenário de pandemia da COVID-19 a quantidade de denúncias sobre violência contra idosos no Brasil teve um aumento de quase 60%, segundo levantamento realizado pelo Disque 100. Como a Psicologia pode atuar para combater as violações de direitos humanos cometidas contra este grupo durante a crise sanitária?

WADSON – Hoje, com essas questões relacionadas a COVID-19, os espaços que os idosos tinham de expressão que era dentro dos CRAS (Centros de Referência de Assistência Social), onde havia o fortalecimento de vínculos através de atividades em grupo, foram interrompidos por não poder aglomerar, então isso dificulta muito essa questão relacionada a trabalhar a violência voltada a essas pessoas idosas, e é uma das dificuldades que estão acontecendo dentro das políticas públicas. Relacionado aos CREAS, estão muitas denúncias de violência física, negligência, dentre outras violências que são cometidas contra a pessoa idosa. Então o psicólogo tem que estar atento à questão familiar, através do trabalho interdisciplinar, que é o que acontece dentro do CREAS. É preciso trabalhar o processo de autoestima dessas pessoas e, no dia 15 de junho, a importância também de estar engajado nessa luta, nessa conscientização do combate a violência. O papel da psi e do psi realmente é de suma importância para que essa pessoa idosa tenha voz, é preciso trabalhar no consultório todas essas questões relacionadas ao idadismo, ao etarismo, e também perceber onde é que mora o nosso próprio preconceito diante dessa realidade. A Simone de Beauvoir no livro ‘A Velhice’ coloca bem isso, que cada sociedade tem uma representação social da velhice. Nós estamos vivendo um momento no mundo em que existe o aumento da longevidade, mas será que respeitamos essas pessoas? As próprias instituições de ensino têm poucas matérias que trabalham o processo de envelhecimento. Se você for ver as pesquisas relacionadas a essa faixa etária ainda estão muito aquém do necessário. Ficou bem evidente no início da pandemia, com os memes de preconceito que eram feitos sobre pessoas idosas querendo fugir e tudo mais, o desrespeito total a esse grupo. Então a nossa importância enquanto profissionais da Psicologia é propiciar sempre o respeito para que essa pessoa, nessa faixa etária, tenha voz.

CRP23Dentre as violências praticadas contra as pessoas idosas, a psicológica é considerada a mais sutil. Como identificar sinais que indicam que a/o idosa/o pode estar sendo vítima de violência psicológica?

WADSON – A violência psicológica é muito séria porque vai sendo praticada diariamente na vida dessa pessoa idosa, como? Não ouvir as histórias ou não ouvir a opinião dessa pessoa, ir excluindo ela das relações diárias, de passeios, colocando-a como se fosse incapaz. É importante aqui trazer o conceito de senescência e senilidade. A senescência é o processo natural do envelhecimento, obviamente o organismo, as células, vão envelhecendo e alguns mecanismos vão perdendo a vitalidade, a visão vai ficando mais difícil, o processo relacionado a digestão também vai mudando, a forma de locomoção também, mas isso não significa que o sujeito está doente, é um processo natural, os cabelos vão ficando brancos, as rugas vão surgindo, então isso é a senescência. E essa sociedade nossa, imagética, essa sociedade de alta performance, vai de certa forma excluindo esse sujeito. Novamente citando Simone de Beauvoir, tem uma frase em que ela diz “eu não me sinto velha mesmo instalada na velhice”, ou seja, essa velhice que ela fala é a velhice do etarismo e do preconceito. Ela tem a consciência de que está na senescência, no processo de envelhecer, mas não dessa forma como a sociedade representa a velhice. Então isso tudo pode gerar nesse sujeito esse sentimento de baixa autoestima, e aí essa violência sutil psicológica leva essa pessoa ao sofrimento podendo chegar a uma depressão. Às vezes uma pessoa que foi sempre alegre, feliz, chega nessa faixa etária e, por causa de todas essas motivações extrínsecas, ela se sente realmente com menos valia, e é aí que se encontra o papel do psicólogo. Primeiro esse psicólogo tem que trabalhar o seu próprio preconceito em relação ao envelhecimento para receber esse sujeito que vivencia toda essa história de violência psicológica.

CRP23Na prática, como psicólogas e psicólogas podem amenizar os impactos do isolamento social na vida das pessoas idosas e ajudá-los a reagir diante das situações de violências?

WADSON – O papel da psicóloga e do psicólogo nesse momento é muito importante em relação a isso, e essa compreensão de que o desenvolvimento ele é continuo. Independente da abordagem psicológica é importante que essa psicóloga e esse psicólogo entenda a trama familiar, qual é o olhar desse sujeito em relação ao mundo, a forma como realmente ele enfrenta suas questões diárias. Então o papel do psicólogo é propiciar o espaço para que esse sujeito seja protagonista da sua própria história, entendendo esse processo de senescência, considerando que nós somos humanos e nesse momento da nossa vida pode ser que a gente realmente tenha algumas comorbidades e, a partir daí, trabalhar essa consciência, essa relação mais saudável com o corpo. Através de tudo isso, com certeza essa pessoa idosa terá mais qualidade de vida.

 

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